Quando uma nova doença se apresenta, temos mais perguntas do que respostas. Quando o quadro que se manifesta é infectocontagioso, imprevisto, de difícil controle e acomete a população de forma distinta, causando mortes, a necessidade do conhecimento de suas causas, evolução, prevenção e tratamento se tornam urgentes.
Essa é a situação que o mundo enfrenta em relação ao SARS-CoV-2, já identificado, mas com um padrão diferente dos Coronavírus já conhecidos, inclusive do SARS-CoV-1 e do MERS. A cada dia, pesquisadores aprofundam-se nas análises dos fatos, os estudos desenvolvem-se no sentido de validar possíveis tratamentos em quadros médios e graves (felizmente a grande minoria), mas que já sobrecarregam os serviços de urgência e UTIs, trazendo baixas na população e, inclusive, na classe dos profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate a essa pandemia.
O panorama em curto prazo não é animador. Assim, as condutas de prevenção se tornam cada vez mais importantes. O isolamento social tem se demonstrado adequado, quando seguido de forma correta e firme. As recomendações do Ministério da Saúde são estudadas, embasadas e contam com o apoio da Sociedade Brasileira de Pediatria e outras sociedades representativas da saúde no país.
Uma das questões observadas, e ainda em estudo, é a baixa prevalência e quase nula mortalidade na faixa pediátrica, o que vai contra o conhecimento do desenvolvimento do sistema imunológico nas crianças. E quando nos referimos às pesquisas a respeito de transmissão vertical, a realidade é ainda mais conflitante.
A conclusão de estudo divulgado recentemente (ainda em pré-aprovação – MedRxiv) aponta que “…não houve evidência de transmissão vertical durante a gravidez com infecção por SARS-CoV-2”. Assim, baseados no que foi comprovado até hoje, algumas rotinas foram estabelecidas desde a sala de parto até a alta e o retorno à vida familiar pelo Ministério da Saúde, com anuência da SBP , da SPSP, da FEBRASGO, IMIP e outras instituições, para mães que sejam assintomáticas, sintomáticas e com confirmação diagnóstica de COVID-19.
A ideia é abordar o aleitamento materno desde a sala de parto até o retorno ao lar das mães, recém-nascidos e suas famílias, em cada situação possível, à luz dos conhecimentos atuais que podem sofrer alterações conforme novos dados forem evidenciados.
Assistência em sala de parto, alojamento conjunto e UTIn
A importância da assistência ao RN e seus procedimentos são embasados na avaliação clínica de cada gestação, condição de parto e nascimento. O clampeamento oportuno de cordão, contato pele-a-pele e amamentação em sala de parto são o tripé fundamental das recomendações de boas práticas. Entretanto, apesar de não ter sido comprovada a transmissão vertical, a contaminação pode ocorrer durante os procedimentos do nascimento e todos os cuidados devem ser tomados no sentido de proteção da parturiente, do concepto e da equipe de saúde presente em relação ao COVID-19.
Se a parturiente for sintomática ou teve contato domiciliar com pessoa com síndrome gripal ou infecção respiratória comprovada por SARS-CoV-2 os últimos 14 dias, “… o clampeamento oportuno do cordão umbilical deve ser mantido, e o contato pele a pele deve ser suspenso. O recém-nascido pode ser secado com o cordão intacto, não sendo necessário banho. A amamentação deverá ser adiada para momento em que os cuidados de higiene e as medidas de prevenção da contaminação do recém-nascido, como limpeza da parturiente (banho no leito), troca de máscara, touca, camisola e lençóis, tiverem sido adotados.”
Já para mães com sintomas de síndrome gripal, as recomendações focam “… na manutenção de distância mínima de dois metros entre o leito materno e o berço do recém- -nascido (RN), uso de máscara pela mãe sintomática durante o contato para cuidados e durante toda a amamentação, precedida pela higienização adequada das mãos antes e após o contato com a criança.”.
O alojamento conjunto, caso a mãe esteja clinicamente estável e RN assintomático, poderá ser mantido. Se a mãe for COVID-19 suspeita ou confirmada, sugere-se respeitar a distância de dois metros entre o leito da mãe e o berço do RN. O aleitamento materno deverá ser promovido seguindo-se as recomendações de uso de máscaras e lavagem das mãos (antes e após a mamada). Sabendo-se que a transmissão pode acontecer por gotículas respiratórias, para a proteção do RN podem ser consideradas algumas alternativas, como a utilização de incubadoras, ao invés de berços, ou o uso de barreiras físicas entre a mãe e o RN, como cortinas.
Já na UTIn, deve-se estimular o contato pele a pele apenas pela mãe assintomática e que não mantenha contato domiciliar com pessoa com síndrome gripal ou infecção respiratória comprovada por SARS-CoV-2, nos últimos 14 dias.
Como, até o momento, não existem evidências de transmissão vertical através da amamentação, o leite materno deve ser oferecido. Assim, a amamentação é indicada e não está contraindicada em nenhuma situação clínica, durante a permanência da mãe em atendimento hospitalar, desde que a parturiente se encontre em condições satisfatórias de saúde e assim o deseje. Caso a mãe, ainda na maternidade, não deseje amamentar, mas possa e queira oferecer o seu leite materno retirado ao seu RN, é importante que ela comunique à equipe do hospital para que o procedimento seja feito segundo critérios que garantam a segurança biológica do produto e dos profissionais, segundo as técnicas recomendadas. Mas, vale ressaltar ainda que, sobre a doação de leite humano “… é contraindicada a doação por mulheres com sintomas compatíveis com síndrome gripal, infecção respiratória ou confirmação de caso de SARS-Cov-2. A contraindicação é estendida a mulheres contatos domiciliares de casos com síndrome gripal ou caso confirmado de SARS-Cov-2.”
Após a alta e retorno ao convívio familiar
Esse foi um dos temas de grande especulação e expectativa quando abordamos COVID-19. Sabe-se que o aleitamento materno, juntamente com o calendário de vacinação completo para a idade, são os dois principais fatores, em termos de regulação geral e específica, responsáveis pela diminuição da morbimortalidade infantil. Não cabe aqui discursar sobre as vantagens do aleitamento materno desde a sala de parto, exclusivo em livre-demanda até o 6º mês, complementado com alimentação saudável até 2 anos ou mais, conforme relatado em toda a literatura mundial.
Em março de 2.020, a SBP (através do Departamento Científico de Aleitamento Materno)11 e a FEBRASGO (através do Dr. Corintio Mariani Neto) divulgaram documentos abordando os estudos do CDC e do Royal College of Obstetricians and Gynaecologists e complementando com mais informações, orientando as ações do Ministério da Saúde no que diz respeito à manutenção da amamentação em tempos de COVID-19.
Mais uma vez, não há nenhuma comprovação irrefutável de transmissão vertical do vírus através do leite materno. Levando-se em conta que os benefícios do aleitamento materno superam em muito os riscos do COVID-19 nessa população, a manutenção da amamentação é recomendada e deve ser orientada, independentemente de a mãe ser assintomática, suspeita ou COVID-19 confirmada.
Assim, o Ministério da Saúde recomenda“… que a amamentação seja mantida em caso de infecção pela SARS-CoV-2, desde que a mãe deseje amamentar e esteja em condições clínicas adequadas para fazê-lo.”
É fundamental, que em tempos de COVID-19, pela disseminação do vírus através das gotículas respiratórias, os seguintes cuidados gerais sejam tomados:
Caso a mãe não se sinta confortável ou não deseje amamentar e opte por extrair o leite para que ele seja oferecido ao bebê por outra pessoa da casa, é importante:
Sobre a doação de leite humano
Deve fazer parte das consultas desde o pré-natal, na maternidade, e, especialmente, desde a primeira consulta de puericultura, a orientação a respeito da possibilidade de doação de leite humano, a partir do momento em que a amamentação esteja estabelecida e que haja excesso que possa ser destinado aos bancos de leite. Com esse alerta, a lactante receberá o apoio e as recomendações de profissionais habilitados e capacitados, se sentirá segura em saber que além do leite que nutre e protege seu bebê estará salvando vidas de prematuros e, na volta ao trabalho, estará preparada, técnica e emocionalmente, para extração e oferta de seu leite no período em que ela estiver ausente.
Porém, é fundamental reforçar que, conforme orientado, “…é contraindicada a doação por mulheres com sintomas compatíveis com síndrome gripal, infecção respiratória ou confirmação de caso de SARS-CoV-2. A contraindicação é estendida a mulheres contatos domiciliares de casos com síndrome gripal ou caso confirmado de SARS-CoV-2.”
Assim que o quadro for considerado curado, a doação de leite poderá ser retomada, seguindo as recomendações de segurança da Rede de BLH.
Vale ressaltar que as recomendações aqui contidas são provisórias e poderão ser modificadas à medida que novos dados forem publicados.
Departamento Científico de Aleitamento Materno
Presidente: Luciano Borges Santiago
Secretária: Rossiclei de Souza Pinheiro
Conselho Científico: Ana Luiza Velloso da Paz Matos, Elsa G J Giuliani,
Graciete Oliveira Vieira, Maria Beatriz Reinert do Nascimento,
Maria da Conceição Monteiro Salomão, Roberto Mario Silveira Issler,
Vilneide Maria Santos Braga Serva, Yechiel Moisés Chencinski
Texto original retirado integralmente do site: www.sbp.com.br/documentoscientificos/